quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O tempo e as jabuticabas - Rubem Alves


Fotos: arquivo pessoal

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.


Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.


Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.


Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.


Não tolero gabolices.


Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.


Já não tenho tempo para projetos megalo maníacos.


Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para revertera miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.


Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos,normas, procedimentos e regimentos internos.


Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar daidade cronológica, são imaturos.


Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.


Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.


Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.


Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minhaalma tem pressa...


Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não seconsidera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende adignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.


Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amorabsolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'

Nenhum comentário: